domingo, 27 de abril de 2014

Teologia e práxis


TEOLOGIA DO PRAZER

José Lisboa Moreira de Oliveira, filósofo e teólogo
Ana Márcia Guilhermina de Jesus, psicóloga e militante cristã


Acaba de sair pela Paulus o nosso mais recente livro. Trata-se da Teologia do Prazer. O tema do prazer ainda é considerado um grande tabu pela maioria dos cristãos. Embora a Bíblia judaico-cristã veja esta questão com otimismo, a influência maniqueísta, infiltrada nas comunidades cristãs primitivas, terminou por se impor, levando o cristianismo a ver o prazer com bastante pessimismo. Atualmente, mesmo com os grandes avanços provocados por fatos como o Concílio Vaticano II e as descobertas científicas, a perspectiva ainda é bastante negativa. Nas Igrejas cristãs o tema não é tratado explicitamente, a não ser em certas ocasiões e quase sempre para combatê-lo.

Não têm faltado esforços por parte de algumas pessoas e por parte de alguns teólogos no sentido de aprofundar a questão numa perspectiva mais positiva, porém quase sempre na ótica da moral. Mas, apesar desses esforços, o prazer ainda é visto de forma muito negativa e nunca mereceu um tratado específico de teologia. Isso levou um franciscano, teólogo, bispo e psicólogo, Dom Valfredo Tepe, a pedir, no finalzinho do século passado, que os teólogos pensassem numa “teologia do prazer”.

            Nós resolvemos acolher o convite de Dom Valfredo Tepe e nos atrevemos a refletir sobre o assunto. Depois de quase dois anos de pesquisas, leituras e estudos, produzimos um texto que agora chega às mãos dos leitores através da Editora Paulus. Temos consciência de que não esgotamos o assunto, mas esperamos que a nossa iniciativa estimule outros estudiosos cristãos a aprofundarem ainda mais a questão, ajudando suas Igrejas a reverem suas posições e a se abrirem mais à positividade da experiência do prazer.

            O nosso estudo começa com uma análise do conceito e do sentido do prazer. Consideramos fundamental iniciar nossa reflexão apresentando as bases científicas do prazer. Uma teologia do prazer precisa começar com a constatação de que tal sensação ou experiência foi colocada no ser humano pelo Criador. As ciências, de modo particular a Psicologia e a Neurociência, ao desvendarem o mistério do prazer nos revelaram a criatividade divina que, ao “modelar” (Sl 139,13-15) a pessoa humana, dotou-a de tão complexo dinamismo. As ciências nos ajudam a perceber que o prazer faz parte da natureza humana, assim como foi pensada, sonhada e criada por Deus.

Na segunda parte do nosso texto apresentamos o ensinamento bíblico sobre o prazer. Não foi fácil abordar esta questão, dada a escassez de pesquisas e publicações específicas sobre o assunto, especialmente aqui no Brasil. As pesquisas que fizemos apontam inicialmente que há na Bíblia uma concepção positiva do prazer, embora não faltem textos que alertam sobre o risco de uma busca de prazer que desumaniza. Porém, a Palavra de Deus não demoniza a experiência prazerosa. Pelo contrário, convida o ser humano a viver prazerosamente sob a guia e proteção divinas. Para evidenciar este aspecto positivo, antes de mencionar os prazeres humanos recomendados pela Bíblia, falamos dos “prazeres divinos”. Algo muitas vezes inédito, já que o cristianismo do “ascetismo mórbido” (Tepe) nos acostumou com a imagem de um Deus sempre irado e irritado com a possibilidade de um ser humano alegre e feliz. Somente depois de falar do prazer como algo positivo é que apresentamos algumas indicações bíblicas acerca de um tipo de prazer que pode alienar e desumanizar.

            Após apresentar as bases científicas do prazer e a visão bíblica sobre o tema, fazemos uma reflexão sobre a forma como o prazer foi visto ao longo da história da Igreja. Mostramos como o cristianismo, de seguimento prazeroso de Jesus, se transformou na religião da abolição do prazer. E isso se deu pela incursão do dualismo grego e do maniqueísmo maledicente nas comunidades cristãs. Além disso, refletimos sobre a relação que se criou entre prazer, sexo e pecado, fazendo com que as Igrejas introduzissem regras bem rígidas a este respeito, as quais passaram a funcionar como verdadeiros “quebra-molas” que visam frear o gozo e o prazer. Depois dessas observações mostramos que, em toda essa história, a mulher pagou um preço amargo, uma vez que ela foi considerada o símbolo do prazer degenerado. Afirmamos que todas essas coisas transformaram o cristianismo em uma experiência triste e assustadora e que precisamos continuar vigilantes, uma vez que no atual contexto estão retornando formas cristãs dualistas e maniqueístas.

            No último capítulo do livro apresentamos algumas afirmações teológicas acerca de uma vida cristã prazerosa. Insistimos na necessidade de vermos o prazer como uma realidade plenamente divina e plenamente humana e, de consequência, olharmos para o cristianismo como mística prazerosa. Mas para que isso aconteça será indispensável repensar a relação entre seguimento de Jesus, prazer e ascese. Embora parte essencial do discipulado, a ascese precisa ser revista, de tal modo que não tire do cristianismo a sua dimensão gozosa. Isso significa que a vivência cristã do prazer inclui um processo de discernimento e uma educação para a responsabilidade, de modo que se possa falar de uma vida prazerosa ecologicamente correta, entendo por ecológico um estilo de existência que humanize sempre e cada vez mais.

            O nosso estudo se conclui com uma reflexão acerca da necessidade de que as Igrejas renunciem à pretensão de querer controlar, a todo custo, a vida das pessoas. Elas precisam mudar de pedagogia, uma vez que a atual pedagogia do controle e da imposição não funcionou e terminou por lançar os fiéis nas mãos da “indústria do prazer”.

            O nosso texto destina-se a todos os cristãos e a todas as cristãs de todas as Igrejas, sem exceção, e que queiram aprofundar essa temática tão vital e tão marcante para a vida humana. Destina-se também a todos os homens e a todas as mulheres de boa vontade que, embora não professem a fé cristã, desejam ter uma compreensão mais positiva do tema do prazer na perspectiva do cristianismo. Mesmo consciente de que não exaurimos a temática proposta, optamos por manter o simples título “Teologia do Prazer”, sem mais substantivos ou adjetivos qualificativos. Com isso queremos ressaltar o caráter teológico do tema, diante de todo o desgaste a que foi submetida a questão do prazer dentro do cristianismo e ao longo do séculos.

            Fazemos votos de que este livro toque o coração de muitas pessoas, desperte-nos para a beleza do prazer, estimule em todos nós uma vida prazerosa responsável e solidária, e suscite em muitas outras pessoas o desejo e a vontade de aprofundar ainda mais esta temática tão bonita e profundamente cristã. E se você estiver de acordo com isso, adquira o livro, estude-o e divulgue-o entre os seus amigos e amigas. Obrigado!

Um comentário:

  1. É com grande prazer que recebo a notícia da publicação desse livro, e bem no Tempo Pascal, que é tempo de experimentar o imenso prazer da Ressurreição. Imagino que a salvação, a vida eterna, nada mais seja do que o infinito prazer da comunhão plena com Deus, os irmãos e irmãs e o universo. E tudo isso já começa aqui na Terra. Sim, estou ansioso pela leitura desse livro e espero presentear amigos próximos com o mesmo. Obrigado aos autores por tão importante serviço.

    Fernando.
    Taguatinga - DF

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