segunda-feira, 21 de abril de 2014

Mensagem pascal


Ressurreição:
Enxergar sinais de vida em meio a sinais de morte

Ana Márcia Guilhermina de Jesus
Bacharela em Psicologia e militante cristã


“Então Pedro e o outro discípulo que Jesus amava, saíram e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos. Mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Inclinando-se, viu os panos de linho no chão, mas não entrou. Então Pedro, que vinha correndo atrás, chegou também e entrou no túmulo. Viu os panos de linho estendidos no chão e o sudário que tinha sido usado para cobrir a cabeça de Jesus. Mas o sudário não estava com os panos de linhos no chão; estava enrolado num lugar à parte. Então o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também. Ele viu e acreditou” (Jo 20,3-8).

O outro discípulo, cujo nome não é citado, embora se acredite que era João, representa, como dizia santo Inácio de Loyola, outros tantos discípulos e discípulas que na época, certamente, foram ao túmulo, e, na contemporaneidade, continuam indo aos túmulos, com a esperança de encontrar sinais de vida, porque acreditam na força do sangue derramado, da vida sacrificada.

“O outro discípulo, que tinha chegado primeiro, entrou no túmulo” (Jo 20,8). Que significa entrar hoje no túmulo? Que significado traz para nós o túmulo? Pode-se dizer, em primeiro lugar, que entrar no túmulo significa perceber e acreditar que os corpos mortos, massacrados, arrastados e crucificados carregam consigo a vida, a esperança, a luta do povo, o desejo do povo, o grito do povo; o grito por libertação, por transformação, pela paz. Entrar no túmulo significa lutar contra a morte; coragem de enfrentar as dores e os sofrimentos, as decepções e tristeza que a morte traz. Em segundo lugar, o túmulo significa fechamento, desespero, medo, angústia, tristeza, vazio, silêncio, decepção, ansiedade, depressão. Significa violência, tirania, massacre, guerra, desumanização, corrupção, bandidagem, autoritarismo, terrorismo do poder.

Tendo presente a simbologia do túmulo, e como esses símbolos estão carregados de sentimentos, é importante fazer uma análise dos significados de cada um deles diante dos sinais trágicos da morte. No caso de Jesus, os seus gritos de dores, o seu gemido de sofredor chegaram aos ouvidos dos que o seguiam por toda parte. O seu sangue derramado chocou o coração daqueles que o amavam, ficando gravado na mente e no coração. Sendo eles dotados de sensibilidade, sentiram na pele o que Jesus sofreu. Diante desse momento de dor, angústia, sofrimento, tristeza, desolação, desesperança, decepção, depressão, seus amigos e amigas foram movidos por um sentimento de compaixão e de misericórdia.

Comovidos por essa mistura de sentimentos, podemos, então, imaginar quanto foi difícil para as discípulas e os discípulos sair de casa, sair desse desconforto. Hoje, quando as discípulas e os discípulos continuam contemplando os túmulos de morte e não conseguem, impulsionados pelo amor, ver o que está além da morte, além dos sepulcros, além dos corpos sem vidas, há o risco de permanecer com “as portas fechadas” (Jo 20,19), trancafiados por medo. No caso dos discípulos, esse medo está relacionado a um cadáver que fez parte da vida e da história deles; medo de perder um vínculo que foi criado com a vítima. Medo do abandono, medo de ter que enfrentar a realidade sozinhos, ou seja, sem o Mestre. Medo de ter que passar pela dor da morte e do sofrimento, a exemplo dele. Medo da prisão, da tortura e da morte.

Psicologicamente falando, a força que esses medos produzem nos discípulos é a mesma força da morte que impede hoje o desabrochar da vida, leva ao fechamento, ao esvaziamento, ao egoísmo, à resistência e à recusa do outro. Os discípulos desistem da luta, da caminhada e permanecem com as portas fechadas, com medo do poder da morte, do poder político e religioso. Hoje não é diferente. Mas alguém precisa ter a coragem de enfrentar o sistema, de lutar contra os ditadores, contra o poder hegemônico, contra o poder político e religioso que estão preocupados com o dinheiro e, por isso, fazem aliança com latifundiários, com empresários loucos, insanos, esquizofrênicos, psicopatas, que querem o crescimento econômico a todo custo. Por isso derramam sangue inocente, massacram, usando todo tipo de violência, de agressão, matando pessoas sem nenhum escrúpulo.

Dentro do contexto da morte de Jesus, somente a ousadia de uma mulher, que amou e fez experiência profunda desse amor, que tocou e foi tocada por ele, pôde romper o fechamento e o medo e anunciar a vitória da vida sobre a morte (Jo 20,18). Ainda hoje são as mulheres que quebram os grilhões da escravidão, as algemas da opressão, rasgando o ventre da libertação pela força da vida, que sempre está em seu útero.

Movida por essa força, Maria de Magdala corre com coragem, contra tudo e contra todos. Não deixa o medo sufocar o grito que está entalado na garganta: sai e vai ao túmulo quando ainda era noite (Jo 20,1), ou seja, quando ainda não existia nenhum sinal de esperança. O sentimento de tristeza e de dor está ainda impregnado em seu corpo e em seu coração. Mas ela vai; vai porque seu corpo pede, anseia pela vida. Vai de madrugada, ao amanhecer, porque dentro dela freme a vida. Ela, por ser mulher, tem dentro de si o poder de resgatar a vida; tem um útero gerador de vida, de luz, de sabedoria, de esperança. Por carregar em seu corpo esses sinais visíveis de humanidade, de solidariedade, de justiça, ela vai ao túmulo, porque acredita que o seu Amado está vivo, acredita que o autor da vida vive. Escutou com a alma e com o coração o que Jesus disse: “eu vou morrer, mas ressuscitarei”.

A força da ressurreição passou pelas suas entranhas, pelo mais profundo do seu ser e fez dela uma mulher capaz de acreditar na vida após a morte. Pela força da palavra do Mestre ela vai cheia de esperança, de emoção, em busca dos sinais de vida. E quando chegou ao túmulo, ela viu que a pedra tinha sido retirada. Então, sai correndo para levar a boa noticia (Jo 20,2). E disse a João e a Pedro: “Tiraram a pedra do túmulo do Senhor e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2).

Tiraram a pedra. O que significa para quem fez experiência profunda do amor, esse símbolo do “tirar a pedra”?  Significa para quem toca e é tocado pelo amor, pela graça desse amor, que não existem obstáculos, não existem desafios insuperáveis. Por isso, depois de constatar que a pedra tinha sido removida, Maria de Magdala diz com a força de sua palavra: “a vida venceu a morte. Jesus ressuscitou, ele está vivo!” (Jo 20,18). Com toda a energia do cosmos, a vida pulsa, vibra no coração dessa mulher amada.

Portanto, quem ama e faz experiência do amor, quem toca o amor e é tocado por ele, não fica parado, contemplando mortos, buscando mortos que não já estão vivos, mas corre para anunciar a vida, corre para levar a alegria da ressurreição. Sua vida flui, seu corpo sente a energia do amor e corre com alegria para anunciar a todos o gáudio da ressurreição, as maravilhas do amor.

O anúncio de Maria Madalena foi tão profundo que os discípulos acreditaram em sua palavra e foram ao túmulo. Porém, somente João, “o outro discípulo”, viu e acreditou (Jo 20,8). Por que Pedro não acreditou? Porque somente um coração cheio de amor e de compaixão consegue acreditar que existem sinais de vida num túmulo, mesmo quando isso não é perceptível. E Pedro ainda não estava tomado por esse amor e por essa compaixão (Jo 21,15-19).

Participar do mistério da ressurreição, ser tocado pelo corpo do ressuscitado, é um processo de humanização que transforma e torna quem foi tocado, mais sensível, solidário, e misericordioso. Tocar e ser tocado pela graça da ressurreição faz do ser humano um ser divino, um ser que transcende. É, a partir da experiência de tocar e de ser tocada pelo amor, que a pessoa amada deixa emanar do seu corpo a força da graça, a força da vida que explode no grito exultante, anunciando a vida e a ressurreição. É no amanhecer desse amor que a pessoa amada acredita no amanhecer dum novo mundo, na transformação do ser humano; acredita com todas as forças que existem sinais de vida lá onde existem somente sinais de morte.

E da mesma forma que os discípulos e as discípulas escutam o Mestre dizer em seu ouvido que vai ressuscitar, com a mesma intensidade escutam o grito forte da humanidade sofrida, o grito de milhares e milhares de pessoas que vivem em situações que levam à morte, e enxergam os sinais de vida presentes no mundo dos mortos. Movida pela mesma compaixão, ternura, e sensibilidade de Jesus ressuscitado, a pessoa vai ao encontro das demais, descobrindo os sinais de vida, lutando para que todo ser humano tenha uma vida digna, justa e fraterna. Lutando para que todos, sem exceção, participem da Páscoa do Senhor, vivam o mistério da alegria, participem da graça divina, sintam-se tocados em seus corpos pelo toque do amor que gera vida pela própria explosão do amor, que espalha raios de luz, de ressurreição e de esperança. Amém.

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