Advento:
“quem sabe faz a hora”
Filósofo,
teólogo, escritor e professor universitário
No
cristianismo, especialmente no Catolicismo Romano, a celebração do Natal é
sempre precedida de um tempo de preparação conhecido como Advento. São quatro semanas nas quais os cristãos e as cristãs se
preparam para celebrar o nascimento de Jesus. São características do Advento as
atitudes de espera e de expectativa. A atitude da espera remonta
ao tempo dos reis, quando estes costumavam visitar alguma cidade ou algum
lugar. O povo ficava esperando o rei e essa espera se revestia ao mesmo tempo
de expectativa acerca daquilo que o rei iria trazer para os súditos. Na maioria
das vezes a espera e a expectativa eram revestidas de muita angústia, um vez que a visita de um rei
quase sempre significava más notícias para o povo: mais impostos, mais
decretos, mais opressão etc. Por essa razão esse tempo de espera era
acompanhado de muita passividade,
exceto quando alguns cidadãos mais exaltados resolviam se rebelar contra o rei
e espera-lo com uma revolta, a qual geralmente era sufocada brutalmente pelo
exército do rei.
Na
liturgia cristã a espera e a expectativa, típicas do tempo do Advento, têm uma
conotação bem diferente. Não se trata de esperar um rei poderoso que vai
chegar, trazendo más notícias para os seus súditos. Por isso não é um tempo de
angústia e de tristeza, mas de uma expectativa alegre, uma vez que aquele que vai chegar é alguém profundamente
simples e humilde; uma criança totalmente dependente e carente de tudo. E,
enquanto criança carente e dependente, não mete medo. Pelo contrário, suscita
nas pessoas sentimentos de ternura, de compaixão e de confiança. A espera
cristã, da qual fazemos memória no Advento, também não é uma espera passiva,
mas um convite a confiar e agir, pois aquele que vai chegar nos anima na
direção do engajamento e do compromisso.
Todo
e qualquer tempo litúrgico que celebramos na Igreja tem como finalidade nos
lembrar uma dimensão permanente da
existência cristã. Não se trata de viver determinadas atitudes por um período e
depois nos esquecermos totalmente delas. Nesse sentido, o tempo do Advento quer
nos chamar a atenção para uma dimensão constante da existência cristã. Todo
cristão, toda cristã, toda comunidade eclesial precisa viver num permanente
estado de espera e de expectativa do Senhor que está para vir. A Igreja
aproveita da celebração do Natal para relembrar, durante quatro semanas que o
antecedem, esta condição permanente da vida cristã. A espera e a expectativa
cristãs não devem acontecer apenas no período do Advento, mas durante toda a
vida de um cristão e de uma cristã. As primeiras comunidades cristãs perceberam
isso com muita nitidez. Em suas reuniões e celebrações costumavam suplicar: Maranatá, expressão aramaica que
literalmente significa “vem Senhor” (Ap 22,20; 1Cor 16,22). Aliás, uma
expressão já usada pelos judeus, antes do cristianismo. Normalmente quando um
judeu encontrava outro judeu costumava dirigir-se a ele com essa expressão,
manifestando a sua crença na eminente vinda do Messias.
Enquanto
dimensão permanente da vida cristã o Advento, a espera e a expectativa
expressam antes de tudo a convicção de que o Deus de Jesus se manifesta sempre
na história, ou seja, na realidade da vida cotidiana. Ele se faz sempre
presente em nossa existência, convidando-nos ao seguimento de seu Filho e a nos
engajarmos em ações concretas que revelem a presença do Reinado de Deus no meio
de nós.
Porém, a característica
principal dessa manifestação é a surpresa.
Deus não avisa que ele vai chegar, que ele vai se manifestar, que ele vai se
revelar às pessoas e às comunidades. Ele chega de improviso (Mt 24,43-44): “Eis
que venho como um ladrão” (Ap 16,15). Geralmente as manifestações de Deus se
dão de maneira bem simples: em situações, lugares e pessoas que nós nem sequer
imaginamos. Por esse motivo Jesus nos convida a ficarmos atentos e atentas para
sabermos “interpretar o tempo presente” (Lc 12,54-57), ou seja, para
percebermos nos acontecimentos do momento em que estamos vivendo os apelos de
Deus.
Por
essa razão um outro elemento significativo que caracteriza o Advento, enquanto
estado permanente da vida cristã, é a vigilância
(Lc 12,35-48). Vigiar não é ficar apavorado, com medo, com ânsia, com insônia,
temendo a chegada de um carrasco. Vigiar é dispor-se a escutar o chamado divino
que se manifesta no cotidiano da vida e dispor-se a realizar a tarefa que ele
quer nos confiar. Os Evangelhos expressam tal convicção através de uma
simbologia estupenda: “Estejam com os rins cingidos e com as lâmpadas acesas”
(Lc 12,35). A vigilância é, pois, essa atitude de quem está antenado,
sintonizado com a realidade para nela perceber os apelos divinos.
Note-se que não se
trata de estar sintonizado diretamente com Deus, mas com a realidade na qual
Deus se manifesta. Há muitos que perdem tempo querendo descobrir a voz de Deus
e se esquecem de que ele está falando por meio dos sinais dos tempos, através
daquilo que está acontecendo no mundo. Pelo menos é o que a Bíblia nos ensina
através dos relatos de vocação. O vocacionado ou vocacionada fica querendo
saber diretamente de Deus o que ele quer, mas ele sempre os convida a ver, a
ouvir, a enxergar, a dar-se conta da realidade onde ele está se manifestando
(Êx 3,7-10).
O tempo do Adento é,
pois, uma oportunidade que temos de reavivar a nossa espera e a nossa
expectativa, entendidas como dimensões permanentes da vida cristã. Porém, não
sei se isso está realmente acontecendo em nossas Igrejas. E isso por duas
razões. Em primeiro lugar porque os cristãos, de um modo geral, são também
infectados pela onda de consumismo
que antecede o Natal. Salvo raríssimas exceções, os cristãos e as cristãs se
preparam para o Natal indo às compras, frequentando shoppings e gastando o que
não podem. Em segundo lugar porque, depois da compra de presentes, se lembram
de ir ao templo fazer algumas orações e assistir a alguma missa ou culto.
Reduzem a espera e a expectativa a atos de beatice e de carolice. A reza, por
si só, não conduz ao clima do Advento, entendido como espera e como expectativa
da vinda de Cristo, do jeito e da forma como ele costuma se manifestar. A reza,
por si só, não conduz à vigilância, ou seja, à capacidade de ler os sinais dos
tempos. A reza excessiva, diferentemente do que se pensa, pode levar à
incredulidade (Mt 28,17; Lc 24,41).
O que se espera é que
as lideranças cristãs saibam orientar bem as pessoas neste período do Advento.
Que não fiquem iludindo os fiéis e reduzindo a preparação para o Natal a um
amontoado de rezas, de novenas, de velas coloridas e de incenso. Que sejam
capazes de ajuda-las a perceberem os sinais dos tempos e a serem, de fato,
vigilantes. Capazes de estimulá-las ao compromisso e à ação. No Advento se
deveria cantar com paixão o refrão da música de Geraldo Vandré: “Vem, vamos embora que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Quem, no Advento, cruza
os braços e espera acomodado as manifestações de Deus, não entendeu nada do
espírito desse tempo litúrgico. “Nem todo
aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele
que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu” (Mt 7,21). Quem
reduz seu Advento a rezas, novenas, loas, missas e cultos, não compreendeu nada
do que ele significa. Não está cultivando a verdadeira espera e a verdadeira
expectativa cristãs.
Nenhum comentário:
Postar um comentário