Preconceito contra nordestinos:
Perda da racionalidade e da essência do
cristianismo
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e
professor universitário
Nasci no Nordeste brasileiro, no
município de Araci (Bahia), numa região conhecida como “Polígono da Seca”.
Nasci no meio da caatinga, porque nasci na zona rural. No período entre 1961 e
1963, quando eu estava entre os cinco e sete anos de idade, a região enfrentou
uma grande seca. Lembro-me bem que com apenas cinco anos de idade já
acompanhava meu pai e minha mãe no enfrentamento da seca. Eles não me faziam
trabalhar, mas eu, com a curiosidade própria de criança, observava tudo muito
bem. Depois cresci, ganhei o mundo, fui estudar na Europa, tornei-me teólogo e
rodei por todo o Brasil em encontros e assessorias. Fiz amigos por toda parte,
inclusive no sul do país, onde sempre fui tratado com muito carinho, respeito e
consideração. Não me lembro de ter sido maltratado alguma vez no sudeste ou no
sul do país por causa de minhas origens nordestinas.
Porém, nas eleições de 2010 e nestas
últimas eleições senti-me profundamente maltratado e discriminado, pois o
preconceito contra os nordestinos, espalhado pelas redes sociais, atingiu-me
profundamente e deixou-me muito triste. Deixou-me triste, sobretudo, não apenas
porque sou nordestino, mas porque atitudes como essas revelam a face perversa do ser humano, capaz de
desatinos como esse. Fiquei triste porque a história da humanidade mostra com
suficiência o quanto o ódio, a discriminação e o preconceito contra
determinadas categorias de pessoas foram capazes de gerar massacres e
sofrimentos para a humanidade. E, mesmo assim, não aprendemos a lição.
Continuamos, burramente, a repetir o mesmo erro.
Mas a tristeza maior é saber que, na
maioria das vezes, tais atitudes partem de pessoas que se dizem ou se professam
cristãs. São frequentadoras de templos, de cultos, de missas, “comedores de
hóstia”, devotos da Bíblia Sagrada. Andam proclamando por toda parte que
“aceitaram Jesus”, mas o crucificam
diariamente ao discriminar ou cultivar preconceitos contra certas categorias de
pessoas.
O Censo de 2010 revelou que 93% da população brasileira se
declara adepta de uma religião. Quase 90% afirma pertencer a uma confissão
cristã. O que nos autoriza a dizer que boa parte, senão a totalidade daqueles e
daquelas que discriminam os nordestinos é formada de cristãos e de cristãs.
Mesmo porque, de um modo geral, os que se declaram ateus ou agnósticos e as
pessoas das religiões não cristãs, que vivem no Brasil, costumam ser mais
tolerantes. Pelo menos esta é a minha experiência.
Antes de mais nada é preciso dizer
que todo preconceito contra determinadas pessoas ou grupos de pessoas é fruto
da ignorância, ou seja, da falta de
conhecimentos mais elementares. E como tenho percebido que tais atitudes partem
quase sempre de pessoas que possuem formação acadêmica ou científica, isso se
torna ainda mais grave e a responsabilidade dessas pessoas, diante da
humanidade e diante de Deus, aumenta ainda mais. Hoje qualquer pessoa que tenha
cursado o ensino fundamental e o ensino médio sabe o que dizem as diversas
ciências. Somos todos, sem exceção, descendentes dos hominídeos, macacos-homens, ou
homens-macacos, que habitavam a Terra a partir de quatro milhões de anos atrás.
Estes, por sua vez, são descendentes dos primatas.
Hoje há certo consenso, por parte dos cientistas, de que a vida humana teria
surgido na África, de um único e mesmo tronco, quando, por uma obra maravilhosa
do processo evolutivo, alguns descendentes dos primatas desenvolveram melhor o
seu cérebro, tornando-se “homo erectus”
(que anda a pé) e, um pouco depois, “homo
sapiens” (capaz de desenvolver tecnologias para facilitar a vida). Esse
processo levou ao que os antropólogos chamam de hominização, ou seja, o ser humano desenvolveu a capacidade de
pensar, de refletir, inclusive sobre si mesmo, e de saber que é um ser pensante.
Portanto, somos todos descendentes dos primatas, dos hominídeos; somos todos
parentes uns dos outros. O fato de ter nascido numa determinada região do
planeta não torna alguém superior a ninguém. Esse dado não elimina a sua
condição de descendentes dos primatas e de parente de todos os humanos da
Terra. Pode, sim, tirar a sua condição de hominização, pois quem acredita ser superior
aos demais seres humanos por ter nascido em uma região da Terra já perdeu a sua
capacidade de pensar, de refletir com lógica e racionalidade. Já perdeu a
principal característica que o distingue dos primatas.
Dito isso, convém salientar que toda
forma de preconceito e de discriminação é uma negação explícita da fé cristã. Os textos do Segundo Testamento,
fundamentados no Primeiro Testamento, são muito claros em rejeitar toda forma
de preconceito contra determinadas classes de pessoas. Jesus, o fundador e o
fundamento da fé cristã, combateu de forma veemente todo preconceito e toda
discriminação. O Evangelho de Marcos, considerado o mais antigo dos evangelhos
canônicos, apresenta Jesus, logo no início de seu ministério, como alguém que
se mistura com publicanos, cobradores de impostos e prostitutas (Mc 2,13-17).
Estas categorias de pessoas, dentro da cultura judaica da época, eram vítimas
de preconceitos e, por isso, profundamente discriminadas e excluídas do convívio
social.
Do ponto de vista geográfico e regional, a elite judaica
desprezava os samaritanos, pois os
considerava um povo que tinha se misturado com não-judeus, durante o período do
cativeiro babilônico. E, como povo misturado, não era de “pura raça”. O
preconceito era tão forte que os judeus não falavam com os samaritanos (Jo
4,9). Jesus quebra esse preconceito regional, dialogando publicamente com uma
mulher samaritana (Jo 4,7-27), fazendo elogios rasgados a um samaritano (Lc
17,16-19) e apresentando um deles como modelo perfeito de discípulo (Lc
10,25-37). E quando um grupo de samaritanos, certamente impulsionados pelo
preconceito do qual eram vítimas, se recusa a hospedar Jesus em um dos seus
povoados, os discípulos querem se vingar. Mas Jesus não aceita tal
comportamento vingativo e os repreende, entendendo perfeitamente o gesto
daquelas pessoas (Lc 9,52-56).
Os exemplos podiam ser multiplicados, se quiséssemos mostrar
mais exaustivamente como Jesus se posicionou contra toda forma de preconceito e
de discriminação. Mas podemos parar por aqui para lembrar um outro aspecto da
vida de Jesus, que não é acidental e ter um valor incalculável para a
compreensão do que estamos dizendo. Trata-se do fato de que, ao encarnar-se, o Filho de Deus não
escolhe nascer em Jerusalém, centro cultural, religioso e político daquele
período da história judaica, mas na periferia, na Galileia. A Galileia no tempo
de Jesus era discriminada, da mesma forma que o Nordeste brasileiro hoje é
discriminado por certas pessoas do Sudeste e do Sul. Era tida como terra de
gente atrasada, ignorante, inculta e o seu povo considerado “zé povinho” pelos
mandatários de Jerusalém. A Galileia era tida pela elite de Jerusalém como a
região cujo povo “ficava nas trevas” (Mt 4,16), um eufemismo para afirmar
“civilizadamente” que era uma terra de gente ignorante.
E como se isso não bastasse, o Filho de Deus decide viver com
sua família em Nazaré, um povoado da Galileia profundamente discriminado pelos
judeus (Jo 1,46). O título de “Nazareno” (Jo 19,19), dado a Jesus pelas
autoridades religiosas e políticas da sua época não visava apenas apontar a sua
origem. Tinha como objetivo principal discriminá-lo e desacreditá-lo diante do
povo. Esse aspecto da encarnação de Jesus era tão significativo para o cristianismo
primitivo que, segundo a versão canônica mais antiga dos Evangelhos (Mc 16,7;
Mt 28,7), será preciso retornar à Galileia para “ver” Jesus. Ou seja, para ser
verdadeiro, o cristianismo terá que optar pelos derrotados, pelas vítimas do
preconceito. Terá que se identificar com aqueles que são excluídos do convívio
social por causa de sua origem e por causa de sua pertença a uma determinada
classe de pessoas
Esse detalhe geralmente passa despercebido para a quase
totalidade dos cristãos. Mas, como notou muito bem Renold BLANK, em seu livro Deus e sua criação (Paulus, 2013, pp.
188-253), se levarmos a sério a fé na encarnação, somos obrigados a crer que, em Jesus, Deus opta pelos derrotados e
questiona os sistemas tradicionais de valores. Ser galileu, ser nazareno, não é
um detalhe periférico. É elemento central da encarnação, mistério que alicerça,
fundamenta, a fé cristã. Deus quis que seu Filho pertencesse a uma classe de
derrotados e discriminados pelo sistema religioso e político de sua época. E se
“Deus é assim como ele se comportava em Jesus Cristo, surge disso uma exigência
inevitável para todas as pessoas que nele creem: elas precisam verificar se seu
sistema de valores religiosos corresponde a esses parâmetros. E se não
corresponde ou somente em parte, elas precisam reconsiderar o sistema,
modificar seus projetos e reorientar sua organização religiosa e eclesiástica
segundo a ótica daquele Deus” (BLANK, p. 224).
Podemos, então, concluir que o preconceito e a discriminação
são negação explícita da fé cristã. Podemos até rezar muito, frequentar
templos, sermos comedores de hóstia na Igreja Católica, ler a Bíblia etc. etc.
etc. Mas se ainda discriminamos grupos e pessoas, como os nordestinos, ainda
estamos num estágio pré-cristão. Ainda não aderimos à pessoa de Jesus. A fé que
dizemos possuir é sacrílega, é verdadeira idolatria, pois o Deus que Jesus veio
anunciar não discrimina e não alimenta preconceito contra ninguém (At 10,34-36;
Mt 5,45) e não aceita falsos adoradores que praticam esse tipo de abominação. Ele
é aquele Deus que “continua a se mostrar, em Jesus, como um Deus que se inclina
cheio de misericórdia aos fracos, aos descartados e aos pisoteados” (BLANK, p.
214).
O fato de jesus ter vivido no meio de povos nao judeus, nao significa que ele estava querendo ensinar a questao da nao a discriminacao, mas, o justamente o proposito de sua vinda, que viria para os enfermos e nao para os saos, ou seja, para os pecadores, aqueles que reconhecem que sao carentes da gloria de Deus, os judeus assim como muitas pessoas de hoje, se acham os super cultos e inteligentes demais para se cre em coisas simples e que portanto, nao se sujeitam a simplicidade do evangelho por causa do seu senso de inteligencia propria, como Deus escolheu primeiramente aos judeus para ser conhecido entre esse povo, eles por causa do pecado, se orgulharam e se acharam justos demais a ponto de desprezar aos outros, e por ter se tornado religiosos e a confiar nos,seus,costumes, nao reconheceu a jesus do qual a lei revelava o, e passaram a querer se achegar a Deus pelas suas tradicoes e nao mais pela palavra, 1 co 1:21 ao 28 fala exatamente a respeito dos que se acham culto demais para se submeter a palavra de Deus, e se acham que nao sao pecadores
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