Não adianta tapar o sol com a peneira
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e
professor universitário
Dias atrás publiquei em meu blog um
artigo sobre a impostura dentro do
ministério ordenado. O artigo também foi replicado pela agência de notícias
Adital e por vários outros sites e blogs. Após a publicação do artigo recebi
algumas mensagens desaforadas de pessoas completamente transtornadas, que, ao
invés de pararem para refletir sobre o assunto, preferiram me “desqualificar”,
como se a atitude de desqualificar alguém pudesse diminuir substancialmente a
verdade dos fatos.
É claro que ser desqualificado por
determinadas pessoas não me afeta e nem me afetará, já que considero normal que
certos indivíduos transtornados, incapazes de dialogar de igual para igual,
prefiram a baixeza e a vulgaridade. Diante da evidência dos fatos tentam
negá-los não com a clareza científica e o rigor da lógica, mas apelando para a
violência, a agressividade e a difamação.
Mas
não adianta tapar o sol com a peneira. Ele continuará brilhando sobre a
cabeça do tonto que fizer isso. Tomás de Aquino, na Suma Teológica, afirma que
a verdade vem sempre do Espírito Santo, mesmo se proclamada por um demônio. A
impostura no ministério ordenado existe desde o início do cristianismo e,
creio, sempre existirá. Entendo a impostura, seguindo a indicação dos melhores
dicionários, como sendo a ação de enganar com falsas aparências ou
falsas imputações. A impostura é o mesmo que embuste, engano artificioso,
afetação de grandeza, de superioridade, de orgulho. Toda impostura é sempre
acompanhada de presunção e de vaidade. No âmbito do ministério ordenado a
impostura está sempre relacionada com a sede de poder, com a avareza ou amor ao
dinheiro e a ambição pela fama. É claro que na raiz de tudo está sempre o amor
ao dinheiro (1Tm 6,10), fazendo com que certos ministros ordenados transformem
a piedade em fonte de lucro (1Tm 6,6). Para conseguir estes três objetivos alguns
ministros ordenados não temem mentir, enganar, aparentar, fazer de conta etc.
Quero reafirmar o que disse no
artigo anterior: a maioria absoluta dos ministros ordenados são pessoas equilibradas,
honestas, simples, doadas, dedicadas inteiramente ao povo. Eles estão
espalhados por todos os cantos, principalmente pelas periferias das grandes
cidades, pelos interiores, vivendo muitas vezes em situação de pobreza, sem
quase nenhum conforto, trabalhando com muita paixão e muito gosto por amor à
causa do Reino. Eles não vivem de aparências e artificiosamente porque não têm
ambições, a não ser aquela de servir com humildade e simplicidade a comunidade
à qual foram enviados como ministros. Eu, pessoalmente, conheço centenas desses
ministros ordenados.
Porém, não se pode negar a presença no ministério ordenado de
verdadeiros impostores que, mesmo em
número bem inferior aos ministros honestos, causam muitos desastres dentro da
Igreja e geram escândalos para o povo cristão. No momento atual a impostura se
faz mais visível devido a certo marketing
católico, liderado por sujeitos que transformaram a cruz de Cristo em
produto de consumo, que tende a colocar em destaque exatamente estes ministros
impostores e transtornados. Uma análise criteriosa, metodológica e científica
da presença de certos padres na mídia confirmaria o que estou dizendo. O modo
como falam, gesticulam histericamente, se vestem etc. etc. fala por si mesmo e
denuncia a presença de um impostor, de um transtornado que precisa aparentar e
falsificar.
Sim, é inútil querer tapar o sol com
a peneira. A impostura no ministério ordenado é uma realidade que não se pode
negar a não ser com a própria impostura. Como disse no artigo anterior, nas
últimas duas décadas foram publicados inúmeros estudos que não deixam dúvidas.
Gostaria de citar apenas um, publicado mais recentemente e que, para mim, é a
síntese de todos os estudos sérios nos quais aparece com forte evidência a
questão da impostura de ministros ordenados. Trata-se do livro Sofrimento psíquico dos Presbíteros do
professor da PUC de Minas Gerais, o Dr. William César Castilho Pereira. O livro
com 542 páginas é pautado pela metodologia científica da pesquisa de campo, com
fundamentação teórica consistente, acompanhado de coleta de dados, observação e
análise qualitativa durante 15 anos. Portanto, um estudo científico sério,
cujos dados finais só podem ser contestados através de um outro estudo
científico igualmente sério e rigoroso.
Mas, como já afirmava no artigo
anterior, mesmo que não existissem estudos sobre o assuntos, os fatos não me
deixariam mentir. Os recentes casos de pedofilia dos padres, os escândalos
financeiros que penetraram até no Vaticano, as intrigas e futricas clericais
das quais tomamos conhecimento a toda hora, não me permitiriam dizer que está
tudo bem e que não há imposturas no ministério ordenado. Elas ressoaram
inclusive no último conclave e o atual papa, Francisco, não as esconde. Volta e
meia, em suas falas, ele volta ao assunto e questiona a impostura de certos ministros
ordenados. Basta ler os pronunciamentos dele, especialmente aqueles dirigidos
aos padres, para perceber isso com muita clareza.
Além disso a minha experiência
pessoal não me permitiria fingir, fazendo de conta que nada disso existe. Tive
a graça de, como teólogo, assessorar centenas de encontros e cursos ligados à
área das vocações e dos ministérios. Estive dando assessoria em todos os
estados do Brasil, exceto Amapá e Roraima, embora nos encontros e cursos
realizados nos outros estados do norte do país sempre encontrei pessoas desses
estados. Devido aos temas estudados em minhas assessorias a questão da
impostura dos ministros ordenados sempre aparecia. Pessoas simples e também
pessoas com mais conhecimento acadêmico e mais capacidade de análise crítica
relatavam nesses cursos e encontros diversos casos e situações. Percebia-se
nitidamente que não estavam inventando e nem mentindo, mas apenas expondo
situações que as deixavam, muitas vezes, tristes e decepcionadas, pois amavam
profundamente a Igreja e sofriam com as formas de impostura que relatavam.
Também durante o período que estive
como assessor do Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999 – 2003) pude tomar
conhecimento de inúmeros casos de impostura de ministros ordenados. Várias
vezes entregamos dossiês completos de situações para os bispos do Conselho
Permanente e da Comissão Episcopal de Pastoral. Lembro perfeitamente de um caso
bem escabroso que nos foi enviado por um juiz de direito de uma comarca do estado
de São Paulo, que havia julgado e condenado um padre. O juiz, que nos mandou os
autos do processo, perguntava à CNBB porque os bispos não estavam atentos a
esses casos e por que nada faziam para não mais permitir que situações como
aquela acontecessem. Mas os bispos, inclusive aqueles do Conselho Permanente e
da Comissão Episcopal de Pastoral, de fato, nunca fizeram nada. Nossos dossiês
eram recebidos e esquecidos. Somente uma vez, por pressão do bispo que presidia
o Setor, tratou-se dos problemas numa reunião. Mas os bispos presentes saíram
pela tangente e recusaram-se a aceitar o óbvio e a tomar alguma providência.
Pude ainda tomar conhecimento de
outros casos de impostura de ministros ordenados quando fui assessor e depois
presidente do Instituto de Pastoral Vocacional (IPV), com sede em São Paulo.
Como o IPV, formado por congregações de carisma vocacional, tinha atividades
que envolviam pessoas de todo o Brasil, era possível, em seus encontros e
cursos, tomar conhecimento de muita coisa. Mesmo porque um dos objetivos do IPV
era preparar animadores e animadoras vocacionais para lidar com situações e
casos como o da impostura dos ministros e que acabavam interferindo no serviço
de animação vocacional.
Seria muito melhor para mim falar de
outras coisas e não ter que vir a público denunciar esses casos. Mas como
discípulo-missionário, seguidor de Jesus Cristo, eu não posso me calar, ainda
que outros, que têm o dever de fazer isso, se calem e se omitam. O que espero é
que a Igreja Católica Romana tenha a coragem de enfrentar essas situações e
ouse encontrar soluções concretas para esse caso, de modo que o ministério
ordenado seja cada vez menos infestado pela impostura de certos ministros
ordenados. Aliás, é bom registrar que a própria Igreja Romana já dispõe de
ótimos instrumentais para realizar isso. Aqui no Brasil, por exemplo, temos
excelentes documentos como as Diretrizes para a Formação dos Diáconos
Permanentes, as Diretrizes para a Formação dos Presbíteros, o documento sobre o
Egressos, que dá orientações acerca de como lidar com seminaristas que saem ou
são expulsos de seminários. Nestes documentos as orientações são bem claras e
situações, como a impostura por parte de futuros ministros ordenados, levadas
em conta, com indicações práticas bem precisas. Mas, tendo presente também a
minha experiência, a maior parte dos bispos não leva a sério o que nestes
documentos está escrito. Continuam agindo institivamente, subjetivamente e
segundo as necessidades imediatas.
Paulo Freire, há mais de quarenta
anos, numa carta endereçada a um “jovem teólogo”, assim se expressava: “Já é tempo de os cristãos distinguirem essa
coisa tão óbvia, que é Amor, das suas formas patológicas: sadismo e masoquismo.
O contrário do amor não é, como se pensa muitas vezes, o ódio, e sim o medo de amar, que é o medo de ser livre
[...]. Os Seminários, para se
constituírem em vozes a favor da modificação da estrutura social, devem
constituir-se desde já em centros utópicos, ou seja, em denúncia
das estruturas desumanizantes nas
quais os homens possam ser mais, sorrir, cantar, criar, recriar. Somente assim,
os Seminários poderão ser proféticos e falar autenticamente de esperança. É
o que eu também desejo e espero, de modo que a impostura entre ministros
ordenados caminhe progressivamente para a sua extinção.
***
Aproveito para comunicar que os artigos de minha autoria, relacionados a questões de análise da realidade social e política, passarão a ser publicado pelo blog Centro de Reflexão e de Análise da Realidade (CREAR) cujo endereço é:
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