domingo, 21 de setembro de 2014

Eleições


Desfazendo “mitos” eleitoreiros

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor

            Mais uma vez nos encontramos em período eleitoral. E nesta época sempre aparecem os “mitos”, uma vez que os brasileiros costumam discutir política não com a razão, mas com a emoção, com a mesma paixão que discutem futebol nos botequins das esquinas. Neste período, assim como acontece na discussão sobre futebol, aparecem 200 milhões de “cientistas políticos”, cada um pretendendo arrogantemente entender de política mais do que os outros.

            Não se trata de não colocar paixão na reflexão de um tema que permeia toda a vida da nação e afeta cada um de nós brasileiros. Como já dizia o poeta e dramaturgo alemão, Bertold Brecht, tudo em nossa vida depende da política: a comida, o transporte, a educação, a saúde, a roupa, o calçado etc. etc. Que bom seria que em todos os espaços, em todos os lugares, em todos os ambientes se discutisse com muita seriedade o tema da política. Mas a questão está exatamente na forma como discutimos. De um modo geral fazemos isso sem consciência crítica, sem discernimento e sem nem mesmo saber do que estamos falando. Vamos muito pelo que diz a grande mídia, envolvida e totalmente comprometida com a elite e a burguesia brasileira, as quais querem manter seus privilégios às custas do sacrifício da maioria da população brasileira. Para defender os interesses dos poderosos, a grande mídia, geralmente controlada por eles, inventa e divulga alguns “mitos” que terminam confundindo a cabeça do eleitor desavisado, levando a acreditar e a votar exatamente em quem ele nunca deveria crer e votar. Vejamos agora alguns dos “mitos” inventados pela nossa mídia.

            O primeiro deles é passar a impressão de que um candidato “ficha limpa” é um anjo, alguém sem nenhum defeito, sem nenhuma mácula. Ora, isso, além de ser falso, é irreal. Há milênios as grande culturas e as grandes experiências religiosas detectaram que “todo homem é mentiroso, todo homem”. Não há, pois, candidatos genuinamente puros, totalmente revestidos de uma lisura ímpar. Quem ainda acredita nisso é um iludido, é um idiota que não se dá conta da realidade concreta do ser humano. Como já diziam os grandes filósofos gregos, em cada um de nós habita pelo menos um anjo e um demônio. Pensar que há alguém desprovido de seu lado demoníaco é pura idiotice. O que resta fazer, então? É procurar pessoas, candidatos equilibrados, ou seja, pessoas nas quais o lado demoníaco não prevaleça. E como isso dá trabalho e as pessoas se recusam a fazer como Zaratustra, o personagem de Nietsche, saindo pelas ruas com uma tocha acesa, em pleno dia claro, à procura desses candidatos equilibrados, terminam por aderir e votar nos que aparentam ser totalmente anjos. Aliás, uma das artimanhas dos demônios é exatamente criar a ilusão de que eles são anjos puríssimos. E com o marketing em alta, isso é possível ser feito sem maiores problemas.

            Um segundo “mito”, também criado intencionalmente pela mídia “golpista”, é pensar e acreditar que “todo político é igual”, que “todos os partidos políticos são iguais”. E isso não só é falso como é profundamente enganador. No Brasil existem partidos políticos cujos programas estão totalmente voltados para os interesses das elites brasileiras. O passado destes partidos, as figuras que os compõem hoje, representam o que há de mais nojento na política brasileira. Pode-se dizer, sem medo de errar, que esses partidos hoje são bem representados pelo PSDB, pelo DEM e pelos partidos nanicos que gravitam em torno deles e a eles são subservientes. Todo eleitor crítico, consciente, ciente não vota nestes partidos. Mas há ainda bons partidos e bons políticos, cujos programas são sérios e bem significativos para o país. Mas devido ao assédio da mídia corrupta estes partidos e essas pessoas terminam permanecendo na penumbra ou sendo totalmente ignorados.

            Outro “mito” que afeta a política brasileira é pensar que a solução de todos os problemas do país passa pela eleição do poder executivo. Assim, se elegermos o presidente da República, o governador do Estado e o prefeito do município, todas as questões serão resolvidas num toque de mágica. Esse mito está tão impregnado em nossa cultura política que, neste período eleitoral, se fazem somente debates públicos com os candidatos ao executivo. Deixamos de lado e não nos importamos com a eleição dos membros do poder legislativo. Estes, porém, são aqueles que fazem as leis e porque não há debate sério sobre eles, as pessoas terminam votando em elementos não comprometidos com o bem público. Basta dar uma olhada na atual bancada da Câmara e do Senado para perceber que a maioria dos que lá estão não poderia e nem deveria ter sido eleita.

            Recentemente as elites, com o apoio da mídia a elas subservientes, criaram outro “mito”: o de que o Partido dos Trabalhadores (PT) é o único partido corrupto do Brasil. Tiveram a ajuda de um Judiciário parcial, que usando métodos questionados por eminentes juristas, tudo fizeram para massacrar algumas figuras do PT. Não se defende aqui a inocência dos membros do PT que foram acusados e condenados. O que se questiona é o fato de que a mídia e o Judiciário não tenham usado da mesma severidade com outros partidos e outros políticos. Por que, por exemplo, não puniram com o mesmo rigor o PSDB, envolvido até o pescoço na lama da privataria tucana e no escândalo do metrô de São Paulo, cujas empresas ligadas ao dito escândalo continuam descaradamente patrocinando as campanhas dos candidatos suspeitos? Por que os políticos da “Caixa de Pandora” do Distrito Federal, pegos repartindo polpudas propinas, continuam impunes até agora? Alguns deles inclusive concorrendo, no momento, a cargos políticos ou obrigados a renunciar por serem “fichas sujas”, mais porcos do que “pau de galinheiro”. Percebe-se, então, que tudo não passou de uma armadilha, com o objetivo explícito de desviar a atenção dos verdadeiros corruptos. O próprio Ministério Público, por exemplo, não quis “cortar na própria carne”. Deixou impune até agora um dos seus membros, o ex-senador Demóstenes Torres, moleque de recado do bandido Carlinhos Cachoeira no Senado. Não se pode acreditar na seriedade de um poder judiciário que prende “ladrões de galinha” e deixa solto este tipo bandido de alta periculosidade para o povo, para a nação e para o país. Este tipo de judiciário já perdeu por completo a sua credibilidade juntos às pessoas sérias, dotadas de cérebro pensante e que raciocinam com espírito crítico.

            Por fim um outro mito: a do messianismo político, ou seja, da figura do salvador da pátria. De repente, no cenário político, surge alguém com ideias mirabolantes, com a história de única alternativa possível, teatralizando, como sendo a salvação da pátria. E boa parte dos brasileiros fica encantada com o discurso bonito, com o espetáculo teatral bem montado, e se deixa enganar. Não percebe que se trata de alguém que não traz nenhuma novidade concreta. Pegou carona com outros partidos, aproveitou-se do espaço que lhe foi dado, comportou-se de maneira desleal com os seus aliados de outrora, e, de repente, se apresenta como a grande alternativa. Mas basta prestar atenção para se ver que, na prática, não há nada de novo. Mesmo porque os grandes problemas da nação não se resolvem nos palanques e com palavrórios bonitos dos programas políticos.

            Portanto, se queremos votar bem temos que desfazer todos esses “mitos”, refletir com seriedade, usando a razão e não apenas a emoção. Há candidatos sérios, comprometidos com o bem comum. Temos que nos dar ao trabalho de procurá-los e de encontrá-los. Temos que recusar veementemente os “clichês” fabricados pela grande mídia. Temos que nos reunir para conversar, deixando de lado paixões desenfreadas, guiando-nos pela lógica, pela objetividade e pela racionalidade. Do contrário seremos apenas marionetes e terminaremos por votar em quem nunca deveríamos votar. Mas para fazer tudo isso temos que agir com humildade, escutando os outros, aprendendo com os outros e com a história e até abrindo mão de visões deturpadas, parciais, que até então carregávamos conosco. Convém jamais esquecer de que, na prática, a teoria é outra, especialmente na política. Quem chega com ideias mirabolantes, com chavões ultrapassados, fazendo teatro para chamar a atenção sobre si, prometendo resolver tudo num toque de mágica, é um mentiroso, um falso político, um hipócrita. Este sujeito não merece a confiança do eleitor sério e honesto.

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